HISTÓRIA DO REGISTRO DE IMÓVEIS NO BRASIL
1- INTRODUCAO:
Com o advento da independência do Brasil ocorrido em 22 de abril de 1500, toda o direito de posse sobre o território descoberto, que se encontrava no Brasil passou ao domínio de Portugal, na figura de seu monarca o Rei, este foi investido na figura de Senhorio (Proprietário).
No ano de 1532 ocorreu a divisão administrativa do território Brasileiro, sem embargo, fora devidamente partilhado em 15 Capitanias, sendo assim a partir de março do corrente ano se iniciou o procedimento de transferência destas propriedades por meio de Doação aos beneficiários, das cujo citadas Capitanias, as famosas CAPITANIAS HEREDITÁRIAS.
Para efeito de curiosidade, HÉLIO VIANA, historiador, narra que a primeira Capitania Hereditária no Brasil a ser constituída foi o que é hoje Fernando de Noronha, beneficiário por doação ao Sr. JOÃO DE NORONHA.
Todavia, por mais que houvesse 15 Capitanias deflagradas, como já dito alhures, somente 12 foram transferidas aos respectivos donatários, contudo, esta transmissão ocorreu através da Carta de Sesmaria, porém, continham e delimitavam os poderes do titular da Capitania, a propriedade ainda não era plena.
Dessa via, eis aqui o primeiro ato de transmissão de propriedade no Brasil para iniciativa privada, pois até este momento tudo estava sob o crivo Rei de Portugal, todavia, começaria o desdobro do Estado, com isso retirando o domínio amplo e pleno do Estado a respeito das propriedades.
Isto posto, de 1532, ano da independência até o ano de 1850, ocorreu a ocupação do solo Brasileiro sem que houvesse qualquer título, ou seja, dentro das capitanias eram loteadas propriedade ao bel prazer, sem embargo, quando em 18 de setembro de 1850, nasce o REGISTRO IMOBILIÁRIO NO BRASIL, pelo advento da Lei 601 de 1850, posteriormente regulada pelo Regulamento 1318 de 30 de janeiro de 1854.
Nesta seara, com o advento da citada Lei, o Vigário da Igreja Católica seria a pessoa capaz de reconhecer a propriedade no Brasil, figura hoje exercida pelo OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, e com a função de proceder o referido registro, registro este com efeito declaratório, com o fito somente de diferenciar o que era particular e público, por este motivo que a citada Lei passou a ser apelidada de “REGISTRO DO VIGÁRIO”, conforme lição de WALDEMAR LOUREIRO.
Na mesma linha o ilustre Doutrinador, JOSÉ MARIA JUNQUEIRA DE AZEVEDO, o Registro de Imóveis, com a função de transcrever aquisições imobiliárias e inscrever ônus reais, instituiu-se, no Brasil, pela Lei 1.237, de 24.09.1864, regulamentada pelo Dec. 3.453, de 26.04.1865.
Anteriormente, com o fim restrito e exclusivo de somente inscrever hipotecas, criou-se, pela Lei Orçamentária 317, de 21.10.1843, o Registro Hipotecário.
Contudo vigoravam até então as normas do Registro Paroquial, exercido pelo Vigário, importante aqui fazer um pequeno paragrafo, vejamos que interessante, o direito de crédito foi primeiramente reconhecido que o de propriedade, como já citado pela Lei Orçamentária 317/1943, vejamos, assim que a inscrição da hipoteca foi anterior a transcrição do imóvel , todavia, passado por transformação da Lei 317/43 que transformou o Registro de Hipotecas em Registro Geral, dando assim origem ao Registro de Imóveis.
Como já citamos a citada 1.237, de 24.09.1864, regulamentada pelo Dec. 3.453, de 26.04.1865, substituiu a aquisição de propriedade pela simples entrega, para que seria necessário transcrever o titulo como meio de regulamentar a transferência do imóvel, destarte, as obrigações entre os contratantes continuaram a ser geridas pelo Contrato firmado entre as partes.
Ampliou assim o registro para as transmissões de bens de raiz( que decorriam de transmissão por herança), por atos Inter vivos( Contratos), com o fim e constituição de ônus reais, firmando o princípio de que a transmissão do imóvel só se operava por via de Registro, na data deste , embora não induzisse prova de domínio ou da propriedade , regulou a inscrição hipotecária, quer em decorrencia da lei, quer por contrato, declarando indispensável a transcrição(registro) para validade contra terceiros, no que diz respeito a propriedade imobiliária.
Seguiram-se na mesma trilha a Lei 3.272, de 05.10.1885; o Dec. 169-A, de 19.01.1890, e o Dec. 370, de 02.05.1890, que introduziram modificações no Estatuto de 1864 e seu Regulamento e proclamaram que o contrato, antes de transcrito, só conferia direitos pessoais aos contratantes e não possui efeito de declarar a propriedade.
Tinha essa doutrina precedentes firmados por TEIXEIRA DE FREITAS , na Consolidação das Leis Civis.
Anteriormente a referida Lei, era firmado que :
“Que essa se operava por força do contrato, tanto que ao comprador fosse entregue a coisa e pagar o preço, logo é dela feito senhor”.
Consolidando a legislação filipina e notando os inconvenientes da transmissão de imóveis tão só por força do contrato, assentou Teixeira de Freitas que:
“Para a aquisição do domínio não basta, simplesmente, o título, mas deve aceder à tradição; e, sem esta, só se tem direitos pessoais”.
Ao comentar o art. 524, nota 27, da Consolidação, melhor esclareceu o jurista o seu pensamento:
“Nos países onde o registro de títulos translativos da propriedade imóvel é necessário, ou importando em prova oficial do domínio, ou sendo, simplesmente, veículo de publicidade, prefere como legítimo adquirente, aquele que tiver registrado seu título de aquisição, ou que tiver, a seu favor, a prioridade no Registro"
Vislumbramos assim, que só depois da transcrição ou inscrição no Registro, é que o título opera seus efeitos, em relação a terceiros, e conclui afirmando:
“Estamos hoje, quanto à transmissão de imóveis, por atos Inter vivos, no caso desses países, onde o registro de títulos translativos da propriedade de imóvel, é a sua tradição legal”.
Em referência aos ônus reais, estatui o mesmo preceito:
“Para a hipoteca convencional produzir os efeitos do art. 1.269, é necessário que seja inscrita no Registro Geral de Hipotecas e esses efeitos começam a existir da data da inscrição” (art. 1.283).
Contudo, já antes descrito na Lei 317 de 1843, em seu artigo 9 que:
“Hipotecas convencionais só valem contra terceiros, da data da inscrição”.
O jurista Carlos de Carvalho“ asseverou:
“Esses preceitos, estabelecendo que a tradição dos bens imóveis, por efeito de atos Inter vivos gratuitos ou não, só produzem efeitos, a respeito de terceiros, pela publicidade legal, isto é, a transcrição no Registro e desde a data dele”.
E aditou que :
“Até a transcrição, a tradição só obriga as partes contratantes”.
Ressalvou, porém, que a transcrição:
“Não induz prova de domínio, que fica a salvo a quem o for”
.
E, ao enumerar os atos sujeitos à transcrição,
“Para valer contra terceiros desde a data dela” isentou da transcrição as transmissões “causa mortis” ou por testamento e os atos judiciários.
Importante exarar que no Brasil no ano de 1890 foi realizada uma tentativa de se adotar o sistema que vigorava no Direito Australiano conhecido como “REGISTRO TORRENS”, melhor descrito nos termos do Decreto 451 – B de 31 de maio de 1890, posteriormente regulamentado pelo Decreto 955-A de 05 de novembro de 1890.
Este tipo de registro, digo “torrens” visava a conferir aos atos de registro imobiliário avulta segurança e liquidez, tendo com premissa que referidos registros fossem incontestáveis, oriundos do Direito Alemão nos chamados “Cadastros Germânicos”.
Foi admitido no Brasil para certos casos de legalização da propriedade rural, em afinidade aos ora originado do Direito Alemão e do Direito Australiano, foi idealizado pelo Deputado e também registrador imobiliário, o Sr. ROBERT TORRENS, que emprestou seu nome ao instituto.
Ainda na mesma trilha, diante da incontestabilidade do referido registro, se fazia necessário o interessado requerer junto ao Poder Judiciário, onde o Juiz investido em sua jurisdição, analisando os requisitos, privava ou concedia a legitimidade da propriedade e de domínio, poderia o declarar, concedido o referido registro se tornando indiscutível ou indeferindo.
2) DO CODIGO CIVIL:
Com o advento do revogado Código Civil de 1916 , iniciada sua vigência em 01.01.1917, a transcrição do título hábil, no registro imobiliário da situação do imóvel, passou a constituir exigência para a aquisição da propriedade imóvel (art. 530).
Aliás, o Código Civil dedicou a Seção VI do Cap. XI do TITULOS III, “Do direito das coisas”, ao Registro de Imóveis.
Regulou minuciosamente a matéria, determinando sua função e alcance.
Inovou em muitos pontos a legislação anterior; fez obra de sabedoria e proveito, saneando lacunas do regime anterior.
São os seguintes os pontos culminantes da codificação:
a) que os direitos reais sobre imóveis, constituídos ou transmitidos, por atos Inter vivos só se adquirem depois da transcrição do referido título, no Registro de Imóveis (arts. 532 a 676);
b) que se presume pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu (art. 859);
c) que os atos sujeitos à transcrição não transferem domínio, senão da data em que se transcreverem (art. 533) ;
Sobre os ônus reais, estabeleceu princípios correlatos:
a) que todas as hipotecas serão inscritas no lugar do imóvel (art. 831), não se distinguindo entre as hipotecas legais ou convencionais e abolindo as hipotecas ocultas;
b) que o número de ordem determina a prioridade e esta a preferência, entre as hipotecas (art. 853, par. único.);
c) que as hipotecas somente valem contra terceiros, desde a data da inscrição e que, enquanto não inscritas, só subsistem entre os contraentes (art. 848) ;
E determinou que o Registro de Imóveis compreendesse:
I – A transcrição dos títulos da propriedade, enumerada no art. 532;
II– A transcrição dos títulos constitutivos de ônus reais, sobre coisas alheias;
III – as inscrições das hipotecas (art. 856, I a IV) ;
Consagrava-se, dessa forma, o princípio de que:
“Propriedade imóvel só se adquire pelo registro” que é, assim, a forma e o modo de aquisição. Os atos contratuais ou os judiciários reputam-se preparatórios, pois só obrigam as partes contraentes. Vulgarizou-se esse princípio, traduzindo-se na linguagem popular pela afirmação de que :
“QUEM NÃO REGISTRA NÃO É DONO”
E o Código Civil, regulando a matéria, colocou-se entre as mais adiantadas legislações.
Já o atual Código Civil de 2002 trata do assunto sucintamente no que concerne a parte do Direito Registral Material, postura acertada pelo legislador, deixando as minúcias e a parte formal para legislação especial e para a doutrina.
3) LEIS E DECRETOS POSTERIORES:
O Código Civil não foi capaz de suprimir todas as lacunas no que diz respeito ao Registro de Imóveis, por isso, foi necessário regulamentar a disciplina por legislação extravagante.
Aliás se viu necessário regulamentar também a forma de realizar os referidos serviços, isto posto, houve monumental progresso, pois carecia de regulamentação face o desenvolvimento socioeconômico e jurídico do país, começaram a surgir as falhas e deficiências do sistema imobiliário.
O Código Civil instituiu um sistema de registro imobiliário comum, mas obrigatório, abrangendo todos os atos judiciais e extrajudiciais, porquanto anteriormente aqueles estavam excluídos dos registros, tornando o sistema inseguro.
Mas não se aboliu o sistema Torrens, com o que se ficou com dois sistemas simultâneos: um comum e obrigatório (instituído pelo Código Civil), com presunção relativa de domínio e outro facultativo (o Registro Torrens), com presunção absoluta do domínio.
Ainda hoje persiste o duplo registro sobre determinados imóveis, em regiões localizadas.
Sucederam-se leis e decretos aplicáveis ao Registro de Imóveis, sendo o primeiro o de n. 12.343, de 03.01.1917, que deu instruções para a execução dos atos dos registros instituídos pelo Código Civil.
Seguiram-se a Lei 4.827, de 07.02.1924; o Dec. 18.527, de 10.12.1928 e o Dec. 4.857, de 09.11.1939, modificado pelo Dec. 5.718, de 26.02.1940, esses dois decretos vigoraram por mais de 30 anos, contemplando figuras jurídicas novas, como o loteamento de terrenos urbanos e rurais, para venda a prestações; a promessa de venda e compra do imóvel loteado e não loteado; o contrato de penhor rural; o condomínio em prédios de apartamentos.
Foi seu elaborador o eminente jurista FILADELFO DE AZEVEDO.
Seguiu-se o Dec.-lei 1.000, de 21.11.1969, que atualizou as normas da legislação anterior.
Como já foi afirmado, esse Decreto-lei, depois de ter a sua vigência prorrogada várias vezes, acabou sendo definitivamente revogado, a despeito de seus incontestáveis merecimentos.
Salientou-se pelo empenho em simplificar os trâmites cartorários, dispensando, por inúteis, certos assentamentos, como os do Livro-Talão.
Ao mesmo tempo, permitiu que os livros do registro fossem substituídos por fichas ou pelo sistema de folhas soltas, suscetíveis de serem datilografadas.
Cuidou de abreviar providências desnecessárias, facilitando a tarefa dos escrivães e auxiliares.
Acompanhou, assim, o progresso da tecnologia, em matéria de escrituração dos atos do registro, à maneira dos progressos da escrituração bancária, comercial e pública.
Tentou retirar das Serventias da Justiça os processos morosos, intrincados e obsoletos.
Em substituição a esse Decreto-lei, elaborou-se a vigente Lei 6.015, de 31.12.1973, alterada pela Lei 6.216, de 30.06.1975.
Dentro dos roteiros da Lei 6.015, primou por maior simplificação, condensando no Título V a matéria relativa ao Registro de Imóveis (arts. 167 a 296).
Vige no país o princípio da territorialidade para fins de registro.
De regra, cada Municipalidade tem um registro imobiliário, o órgão isolado, sem conexão com os demais, e a competência para a prática dos atos é absoluta.
Se o registro for promovido em circunscrição diversa, o ato é considerado inexistente.
De outro lado, nas escrituras de compra e venda exigem-se muitos documentos fiscais, além do tributo correspondente digo ITBI ou ITCMD, o que não acontece com os documentos particulares.
Daí porque se opta pela solução mais cômoda.
O Brasil real não coincide com o Brasil legal.
Há um incessante combate entre os documentos públicos e os particulares.
O principal e mais transcendente está na instituição da matrícula para cada imóvel em sua folha, na qual os registros e as averbações dos títulos que tenham por objeto o imóvel matriculado são efetuados, cronologicamente, modificando radicalmente a sistemática tradicional do registro, proporcionando a futura cadastração imobiliária, aproximando-nos bastante do sistema cadastral germânico, considerado o mais perfeito por todos os especialistas na matéria.
Outrossim, a matrícula (fólio real), se distingue de outras em países irmãos, porquanto a brasileira mantém todos os requisitos anteriores.
Um autêntico curriculum vitae da propriedade imobiliária.
O inconveniente está em que ela só foi instituída a partir de 01.01.1976, trasladando-se os atos existentes anteriormente (transcrições e inscrições).
E não houve obrigação legal de todos os interessados de trasladar( mudar) para o novo sistema, assim que temos propriedades tituladas sob a égide da transcrição, cujos livros obsoletos e manuscritos remanescem e são manuseados, e temos propriedades já lançadas em matrículas abertas sob os amparo da nova lei, valendo-se dos dados existentes.
Isso acarreta grandes dificuldades no manuseio e controle dos atos, quer pela falta de espaço, quer pela corrosão do tempo.
Tal obrigação somente ocorre quando se pratica ato passível de registro.
Os atos judiciais são passíveis de registro, mesmo os de caráter acautelatório, como, protestos contra alienação.
Mas há luta constante entre a atividade registral e a jurisdicional, entendendo alguns magistrados que a eficácia de seus atos não pode ser condicionada a registro, porquanto estaria ferida a soberania dos vereditos.
Não existe, ainda, no Brasil, uma consciência fundada na segurança jurídica como fator de paz social.
A grande característica que existe na prática brasileira está nos chamados contratos de promessa de compra e venda, feitas por instrumento particular.
Com grande extensão territorial, a propriedade no Brasil foi dividida sem nenhuma programação.
O êxodo rural precipitou o parcelamento do solo, o que se deu através de pré-contratos.
Nos tribunais valoriza-se a posse. E hoje, no Brasil, cerca de 40% das propriedades ocupadas, com situação jurídica consolidada, não são tituladas.
Deferiu-se às promessas um direito real oponível. E mesmo sem título definitivo, o promitente comprador dispõe da coisa.
É uma realidade social. Os tribunais estão abarrotados com demandas advindas de instrumentos particulares, e sem registro.
E valoriza-se a posse como fator social, em detrimento do sistema registral que outorga a segurança jurídica.
Assim, o Direito registral somente criou sua autonomia com a Lei 6.015/73.
Até então era mero apêndice do Código Civil.
Nem a cadeira didática de Direito notarial e registral tínhamos.
O sistema registral brasileiro é constitutivo (só se adquire a propriedade com o registro).
É descentralizado com mais ou menos 3.200 Registros de Imóveis distribuídos pelo Brasil, sendo o registrador um profissional do Direito, remunerado pela parte (sistema privatizado) e seu ingresso dar-se-á por concurso público realizado pelo Poder Judiciário, que fiscaliza seus atos, nos termos da recente Lei 8.935/94, que regula a atividade de registro.
Mas esse sistema ainda exige aperfeiçoamento.
Com efeito, a Física e a Mecânica revogaram a Geografia; o fax revogou a telegrafia e os correios; a informática revogou a máquina de escrever e outros hábitos. A mídia acirrou as tendências sociais
.
Há que se repensar fundo e rápido um sistema registral moderno e principalmente abrangente, a publicidade passiva, circunscrita a uma pequena Municipalidade não integrada ao orbe, tende a desaparecer, a tendência mundial é de blocos (de países, de Estados-membros, de microrregiões) com fins mais variados. e devemos instituir uma publicidade similar a uma encíclica papal urbi etorbi, sobpena de sermos atropelados pela história, se já não o somos.